Quando escrevo, eu me coço todo. Abro buracos desproporcionais na epiderme. De tão fundos, eles alcançam a minha segunda camada de proteção. De tão grandes, eles até poderiam me abrigar por alguns segundos ou, quem sabe, me obrigar a permanecer por lá enquanto eu não cicatrizo. A timidez mora nessas valas que eu mesmo construÃ. Eu me encaixo tão bem nesses abismos.
As bactérias e os micróbios também habitam nessas covinhas. Elas fazem ideia do que eu sinto? Eles sabem ao menos que eu existo? Em noites mais solitárias, chego a escutar um boa-noite vindo de algum lugar do interior dos meus braços. A solidão faz a gente se apegar ao que parece não existir. Você existe?
A insegurança devora minhas unhas. De onde vem todo esse medo? Por que me desprotejo tanto? Por que me despedaço, assim, aos poucos? Meus dedos parecem retroescavadeiras; meu corpo, um canteiro de obras. Carrego 10 incansáveis trabalhadores que me cutucam 24 horas por dia, 7 dias por semana. Não há descanso. Folga. Feriado. Eles alteram, de forma quase imperceptÃvel, a maciez da minha pele. Acontece uma pequena metamorfose diária em mim, em nós. Quem irá nos despertar desses sonhos intranquilos?
Quando passo o indicador, sinto que na superfÃcie onde antes ainda havia resquÃcios de delicadeza (uma estrada perfeitamente asfaltada), hoje encontro calos, lombadas e relevos de feridas em processo de cicatrização (A dor deixa tudo meio off-road). Os caminhos de quem parte devem ser assim, cheios de lombadinhas, né? A vontade de ficar são esses quebra-molas. Eles tentam adiar nossa ida. Eles fazem de tudo para atenuar nosso adeus. Eles são aquele último esforço para deixar menos veloz nosso próximo passo. Em vão. Eles sabem que a gente não sabe permanecer. Partir é o que o corpo faz para não explodir.