- Este fragmento inicia-se com um diálogo.
Crítias: Então, ouça Sócrates, esta estranha narrativa que, no entanto, certamente é verdadeira, bem como Sólon, que contou a história, e que foi o mais sábio entre os sete sábios. Ele era parente e grande amigo de meu avô, Drópidas, como ele mesmo disse em muitos de seus poemas; e Drópidas disse a Crítias, meu pai, que lembrava e nos contava sobre uma antiga e maravilhosa atuação dos atenienses que caiu no esquecimento, ao longo do tempo e da destruição da Raça Humana, e uma, em particular, que era a maior de todas as Raças, e o relato do que se passou será um testemunho adequado da nossa gratidão a vocês...
Sócrates: Muito bom! E o quê é essa antiga e famosa proeza da qual Crítias falou e que não é mera lenda mas uma ação histórica do Estado Ateniense recontada por Sólon!
E sobre o quê era este poema, Crítias? perguntou alguém."Conte-nos", disse outra pessoa, "conte-nos a história toda e de quem Sólon ouviu essa tradição".
Crítias: Sobre a mais grandiosa ação já empreendida pelos atenienses e que deveria ser muito famosa mas o tempo e a destruição completa dos atores desse drama impediram que história chegasse até nós.
"No Delta Egípcio, o rio Nilo se divide, existe um certo distrito que é chamado Saís, e uma grande cidade do distrito, também chamada Saís, e essa é a cidade na qual nasceu o rei Amasis. Ali os cidadãos têm uma divindade fundadora: os egípcios a chamam de Neith mas eles dizem que é a mesma chamada pelos atenienses de "Atena". Os cidadãos desta cidade gostam muito dos atenienses e dizem que, de alguma forma, se relacionam com o povo de Atenas.
"Sólon, levado por Thrither [um sacerdote egípcio], foi recebido com grandes honras e perguntou aos sacerdotes qual dos mestres era o mais sábios em antiguidades [história antiga]; Sólon descobriu que nem ele nem qualquer outro heleno sabiam qualquer coisa de real valor sobre os tempos antigos.
Em uma ocasião, quando estavam falando de antiguidades, ele [Sólon] começou a discorrer sobre coisas de outros tempos quando nossa parte do mundo, o Phoroneus, que é chamado "o primeiro", e sobre Níobe e depois sobre o Dilúvio; falou sobre a vida de Deucalião e Pirra e traçou a genealogia de seus descendentes, a linha do tempo, as datas dos eventos aos quais se referia.
Thereupon, um dos sacerdotes, que era muito velho, disse: "Oh, Sólon, Sólon, vocês helenos são como crianças e não há homens velhos entre os helenos."
– Diante disso, disse Sólon: "O que você quer dizer com isso?"
Quero dizer o que disse; que em termos de mentalidade vocês são muito jovens. Não há entre vocês idéias ancoradas em ciências antigas ou antigas tradições; e eu lhes dizer a razão disso: aconteceram e novamente acontecerão muitas destruições da raça humana deflagradas por muitas causas. Existe uma estória que vocês devem ter preservado, sobre Faetonte, o filho de Hélios, que sem saber conduzir os cavalos, tomou a carruagem de seu pai para percorrer o caminho que Hélios fazia todos os dias e provocou um grande desastre, queimando tudo na face da Terra.
Hoje, isso é uma expressão em forma de mito, mas, de fato, significa o declínio dos corpos que se movem em torno da Terra e nos céus; uma conflagração recorrente, que acontece em longos intervalos de tempo; quando isso acontece, aqueles que vivem nas montanhas e em outros lugares secos, estão mais sujeitos à destruição do que aqueles que vivem à margem dos rios, dos lagos ou do mar. Mas, por outro lado, quando os deuses purgam a terra pela água [e não pelo fogo, como Faetonte],então os pastores, os montanheses, são os sobreviventes e perecem os que vivem nas cidades, próximos aos rios e fontes, a beira-mar; são levados pelas enchentes, submergem no oceano. Mas nesse país, nem nesse tempo nem em qualquer outro a água veio do alto sobre os campos, tendo sempre a tendência de vir de baixo, razão pela qual as coisas preservadas aqui são as mais antigas.