“Toda mulher tem um homem que se foi”. Assim começa um poema que escrevi cerca de 20 anos atrás, reforçando a ideia de que eles saem para comprar cigarro e esquecem de voltar. A sociedade sempre aceitou como natural a figura do homem que um dia se enrabicha por outra e abandona a família, ou, dizendo de forma menos cafajeste, a do homem que deixa de amar a esposa e reconstrói sua vida. Pertencia só a eles a liberdade de ir e vir. Tinham dinheiro no bolso e eram donos de seus narizes: às mulheres restavam as lágrimas e uma pensão para os filhos, tivessem um bom advogado.
Hoje, as mulheres também vão embora. Não precisam alegar que irão comprar cigarro na esquina, a sinceridade é mais saudável: elas se vão porque a relação se desgastou, se vão para escapar de um parceiro agressivo, se vão porque se apaixonaram por outro, se vão porque evoluíram profissionalmente e novas oportunidades surgiram. Se vão porque assim decidiram.
Diante da secular hegemonia masculina, nossa independência ainda é uma novidade, nem todos se acostumaram. Mas homens esclarecidos e sagazes nos respeitam. Sofrem, como nós sofremos com a partida deles. Choram. A dor da perda é a mesma. Vez que outra, os mais inconsoláveis rogam praga: “você vai ficar sozinha para o resto da vida!”. Cuidado. Em vez de inibi-la, a ameaça poderá entusiasmá-la: o que não falta é mulher sonhando em sair de uma relação para viver só para seus livros, filmes e amigos, livre como o vento soprando nas montanhas.
Pena que não há poesia na ignorância.
Uma mulher que se vai, para muitos, é uma afronta. Homens mal preparados para a igualdade não sabem lidar com a rejeição. Em vez de buscarem uma terapia para ajudar, eles buscam a arma que escondem em cima do armário, buscam uma faca na gaveta da cozinha e aumentam os índices de feminicídio. É só ler os jornais, acompanhar as estatísticas. É sempre a mesma razão banal: matou porque ela teve a audácia de largá-lo.
Extra, extra! As mulheres vão embora. Ganham o próprio salário e vão embora. Leem, se informam, se unem, se reconhecem em outras mulheres, e se for necessário, vão embora. São mães e vão embora sem fugir de suas responsabilidades: estão protegendo os filhos de um ambiente hostil. Amaram seus homens, foram felizes com eles, e quando deixaram de ser, foram embora. Nada de novo, é o que os homens sempre fizeram. Novidade seria se eles fossem assassinados por causa disso.
Eduquemos bem nossos meninos de 8, de 10, de 15 anos: mulheres não são propriedade alheia, elas vão embora. Cientes dessa realidade, quando adultos eles se tornarão os melhores companheiros, os mais inteligentes, os mais amorosos, aqueles que darão a suas parceiras todos os motivos para ficar.
(Crônica de Martha Medeiros)