Mais um dia que passa,
um dia que não posso ignorar de viver,
mais um dia que não posso deixar
que passe em vão como tantos outros
que ficaram para trás.
Estou a dirigir-me para a linha de partida,
tenho de recomeçar a viver, por mim,
pelos que amo... por mim.
Ando devagar. Penso demais,
desespero demais, afundo-me demais,
culpo-me demais, massacro-me demais...
para quê? Sou assim. Peso-me demais.
Por isso tento sempre manter-me
à superfície das minhas águas profundas
e escuras, onde habitam
os seres mais estranhos,
os monstros mais infernais.
E muitas vezes afundamo-nos,
perdemo-nos
dentro de nós... mas isso já sabemos...
Saber sair das nossas próprias
armadilhas é um trabalho árduo,
um trabalho de paciência e de força interior,
tantas vezes difícil de cumprir...
mas cá vamos sobrevivendo.
Tentando aliviar o nosso próprio fardo,
que tantas vezes nos impomos,
que tantas vezes arranjamos quando
sentimos que estamos vazios.
Quebras de rotinas.
Todos os dias prometemos a nós próprios
que vamos quebrar a rotina redutora
em que vivemos... promessas.
Mas quando chegamos ao fundo,
ou morremos ou mudamos.
E morrer pode não ser no sentido
físico da palavra. Morrer por dentro é,
e longe, a morte mais dolorosa
que podemos ter...
e que muitos já experimentaram.
Contudo, penso que
haverá sempre uma réstia de esperança...
(isto é o meu optimismo latente
a sobrepor-se um pouco ao
meu pessimismo activo). Aliás,
tem de haver alguma esperança,
senão para que é que estamos
aqui a escrever, a comunicar, a desabafar,
a tentar que o dia de amanhã
seja melhor que o de hoje?
Mais um dia no início das nossas vidas...
Fases, pedaços, capítulos, luas,
marés, a nossa vida divide-se em ciclos,
em linhas sinusoidais, em altos e baixos,
mais ou menos acentuados, mais ou menos prolongados. Somos o resultado do confronto
e conflito de pensamentos, de sentimentos,
de gostos, de desejos e fantasias, de erros, de sentidos... Somos o soldado,
somos a guerra, somos a vítima,
o vencedor e o vencido mas não seremos o princípio nem o fim. O princípio e o fim estão
para além de nós e da nossa vontade;
estamos de passagem num contínuo de tempo.
Mas podemos sempre renascer...
Espero conseguir renascer das
cinzas dos dias, como a fénix...
Mais um dia. Mais um dia para que possamos gastar na nossa vida, mais um dia para se odiar, para se sofrer e fazer sofrer. Mais um dia para se desperdiçar nas nossas "eternas" vidas. Sim, porque pensamos que somos eternos, fortes, jovens, imutáveis e infinitos nos nossos corpos e nas nossas mentes.
Realmente não sabemos aproveitar a Vida nem sabemos viver. Nem para os outros nem para nós mesmos. As pessoas não têm tempo para parar e pensar no que é essencial, mas sim no que é supérfulo. Não sabemos viver. Não sabemos aproveitar os momentos que temos de vida, o breve sopro de inteligibilidade que nos é concedido. Não olhamos para quem nos está mais próximo, para quem está ao nosso lado. Só queremos alcançar o que está longe, longe demais.
Custa-me olhar e ver que há pessoas tão incompreensivas, tão individualistas e egoístas que não percebem o que realmente têm na vida e o que realmente faz sentido. Só quando o perdem é que acordam, e por vezes nem isso, permanecem cegas, acreditando que vivem num mundo controlado por elas, num mundo "perfeito" à sua medida, enquanto outros definham a seu lado pedindo ajuda e enquanto elas próprias definham por dentro, em silêncio, do alto dos seus palácios de vidro.