Onde estão os jardineiros da vida?
Uma flor que brota no asfalto, as folhas que voam secas na calçada, o casal que caminha de mãos dadas, o homem que alimenta um filhote de vira-lata. Os pássaros que parecem namorar nos fios, um “bom dia” dado pelo entregador de jornal. O surdo que entrega folhetos sobre fé. O cego que pede moedas com a frase pendurada no pescoço cansado: O dia está lindo e eu não posso vê-lo. No meio do caos, a beleza. A simplicidade, a bondade, o carisma. No trânsito, um homem que acena e dá a passagem ao carro do lado. O palhaço que faz malabarismos improvisados, jogando laranjas para o alto, rodopiando, como se estivesse em um desses circos europeus. O outro que faz um show de comédia para as crianças nos carros. Palmas, sorrisos, moedinhas sacudindo nos bolsos das roupas coloridas. A estátua viva no calçadão, que pintada de spray prateado, ganha o pão de cada dia. O moço que toca seu triste violino, encostado nos grandes vidros de um banco e as poucas pessoas que o cercam e aplaudem com vigor. O sorriso dele, demonstrando tanta felicidade quanto à de um músico que estréia na Broadway. A moça que empresta o ombro à uma senhora que já não tem facilidade para andar desde muitos anos. Um balão que, solitário, atravessa o céu ensolarado e poluído da cidade. Os detalhes mansos e serenos que atingem poucos olhares. A simplicidade está escondida entre as ruas, no meio do vai e vem dos carros e pessoas, entre os barulhos, aromas e sintomas do dia-a-dia. As coisas antes comuns, tornaram-se raridades. Tornaram-se pequenas flores no meio-fio, que nascem sob a sombra dos prédios, que brotam do cimento frio, que se abrem em todas as estações, mas que ninguém observa. Ninguém semeia. Os jardineiros de amor, gentileza, humildade e carinho sumiram no meio do concreto e das grades. Restam os poucos olhares daqueles que ainda conseguem enxergar um balão flutuando entre os arranha-céus.
Rio-Doce