O princípio da laicidade na Constituição Federal de 1988
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O Estado Brasileiro é laico/secular, isso, teoricamente, prega a desagregação da religião e seus valores sobre os atos governamentais. Em uma democracia, a pluralidade de crenças e valores é incalculável, justamente por pousar sobre a liberdade. E o Estado deve agir com o máximo de neutralidade e igualdade possível com relação as mais diversas pautas, por isso, a laicidade é um princípio crucial para a manutenção da democracia e os direitos individuais e coletivos.
O Art. 5º, inciso VI, assegura liberdade de crença aos cidadãos, conforme se observa:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
[…]
VI – é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;
FISCHMANN, Roseli, em sua obra “Estado Laico, Educação, Tolerância e Cidadania ou simplesmente não crer” (Factash Editora, 2012, pg 16), aduz sobre o Estado Laico e a sua importância:
Assim, o caráter laico do Estado, que lhe permite separar-se e distinguir-se das religiões, oferece à esfera pública e à ordem social a possibilidade de convivência da diversidade e da pluralidade humana. Permite, também, a cada um dos seus, individualmente, a perspectiva da escolha de ser ou não crente, de associar-se ou não a uma ou outra instituição religiosa. E, decidindo por crer, ou tendo o apelo para tal, é a laicidade do Estado que garante, a cada um, a própria possibilidade da liberdade de escolher em que e como crer, , enquanto é plenamente cidadão, em busca e no esforço de construção da igualdade.
A influência religiosa na Constituição Federal de 1988
Embora preze pela não adoção religiosa oficial, os governos que vestem o Estado e os parlamentares que compõe as cadeiras eletivas, até mesmo por fatores culturais, dificilmente despregam-se de valores religiosos. Ou seja, indiretamente, os princípios religiosos atuam no Estado Brasileiro.
Exemplos práticos disso são: 1 – O próprio preambulo constitucional, redigido por Ulysses Guimarães, que, no corpo da laicidade constitucional aduz que a carta magma foi promulgada “[…]sob a proteção de deus[…]”; 2 – Da obrigatoriedade de matéria religiosa no Ensino Fundamental, presente no Art. 210, §1º da Constituição Federal de 1988[1]; 3 –A imunidade tributária dos templos religiosos, Art. 150, inciso VI, alínea “b)”, da Constituição Federal de 1988[2]; 4 – Os efeitos civis do casamento religioso, Art. 226, §2º, da Constituição Federal de 1988[3]; e 5 – O respeito universal as religiões e aos cultos, na medida da legalidade, inclusive nas demandas militares[4].
Os 30 anos da Constituição: A balzaquiana brasileira e o constitucionalismo semântico
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A influência religiosa da sociedade na constituição de cada Estado de Direito, é indiscutível, cada nação possuí suas prerrogativas culturais e é por isso que se mostra descabido qualquer comparação entre elas, a verdade é que apesar de sua soberania o Estado possui certas restrições alicerçadas pela religião que seu povo mais cultua. No Brasil, em decorrência do fator cultural, e a opção social-religiosa maioritária de seu povo, o catolicismo se embrenha, ocultamente, quase como um princípio constitucional. Sobre isso, discorre acertadamente SPROUL, R. C.na página 41 de sua obra, “Qual é a relação entre a Igreja e Estado?”, vejamos:
“Uma coisa importante que devemos notar é que o poder da espada não é dado à igreja. A missão da igreja não se move em direção à coerção ou ao conflito militar. O emblema do cristianismo é a cruz. Por contraste, o emblema do islã é a cimitarra ou a espada No islã há uma agenda de conquista dada às autoridades religiosas, mas no cristianismo a igreja não recebe o poder da espada. O poder da espada é outorgada apenas ao estado”
A relação: povo religioso x estado laico
A religião está presente na vida de 92% dos brasileiros – que se declararam crentes – segundo dados do último Censo Demográfico Cultural do IBGE em 2010, contra apenas 8% de brasileiros que não abraçam qualquer crença religiosa. Sendo que 65% dos religiosos são católicos – herança portuguesa da era colonizadora – mas com uma queda considerável de seguidores se comparados com o Censo anterior (2000). Os grupos evangélicos se mostraram em franca expansão. Vejamos os dados do Atlas do Censo demográfico cultural do IBGE de 2010, pg. 203, sobre a diversidade cultural:
Fonte: Sítio Eletronico oficial do IBGE
Assim, mesmo que fragmentadas, não há que se olvidar que a parte esmagadora da população brasileira adere a uma religião, e a religiosidade é um fato que justifica inúmeras amofinações e jubilas da realidade nacional, além de cristalizar diversos pontos de nossas legislações, governos, costumes, comportamento… etc.
Em recente pesquisa realizada pelo IBOPE – Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística, divulgada no dia 13/03/2018, 79% dos 2 mil brasileiros entrevistados, espalhados em 127 municípios, afirmaram ser importante que o candidato a presidente da republica acredite em Deus. Isso reforça a essencialidade da religião para o brasileiro em todas as searas.
O Estado propõe-se a ser laico, todavia, as inconsistências da laicidade absoluta se revelam ao passo que em um sistema democrático a vontade popular é predominante – vontade popular se entende como aquela que é compartilha pela maior parcela da população. Assim, com essa hegemonia sócio-religiosa que possuímos, é possível afirmar que hora o país será gerenciado/legislado de maneira mais tendenciosa aos valores de determina religião, outrora pelos de outra. Isso não apenas pela vontade popular, mas pelos ocupantes de cargos eletivos, que são frutos populares, ou seja, podem possuir princípios ético-religiosos, além de estarem fardados a obrigatoriedade de representar seu eleitorado, que também possuí valores religiosos.
Os braços religiosos ainda folgam na cotidianíssima vida brasileira,alcançando, também, questões que possuem um cunho muito mais cultural-religioso do que lógico/imparcial. Sendo perfeitamente cabível citar: a criminalização do aborto e o, até pouco tempo criminalizado, crime de adultério, que se assemelham a questões comportamentais,inerentes de liberdade individual, as quais descabem o exacerbado intervencionismo estatal motivado por valores religiosos que admitidamente estão enraizados na cultura. São questões tão desconexas com a filosofia dos direitos individuais e a liberdade, que a atuação do Estado – espirito político frio, moderador da sociedade humana – representa, inclusive, ameaça à vida e a quebra da liberdade. Afinal, quão importante para a nação é a penalização de uma traição conjugal assumida? (dentre as milhares sucumbidas ou optativamente prazerosas) ou a vedação ao direito da mulher sobre o próprio corpo?
Aproveitando o clímax, cabível se faz a ótica apresentada por Nietzsche, na obra “O Anticristo”, 1888, onde conceitua a religião e seus valores de compaixão como uma barreira para o progresso humano, ao ponto que a lei natural peneira os mais fortes e escoa os mais fracos, e em outras palavras, ao contestarmos essa realidade, patrocinamos nossa própria fraqueza. Apesar de importantes para traçarmos o limite intervencionista estatal e observarmos a influencia cultural-religiosa no Ente Estatal, tanto as questões apresentadas – que merecem melhor aprofundamento, a cá cerceamo-nos a outro tema – como a filosofia fria e pesada (aos mais sensíveis) de Nietzsche, não convencionam o ideal, apenas agregam no campo das possibilidades.
A teoria de Nietzsche, indiscutivelmente sensata, seria perfeitamente aplicável em uma atmosfera ainda desconhecida, onde os seres dominantes desnudam-se de emoções em sua essência, o que, humanamente, é impossível. Tudo que evoluímos até o presente, nasceu,“esgoelante”, da nossa mísera sensibilidade e percepção, as codificações (números, linguagem, gestos, sociedade, leis…) compreendem a maneira humana de simplificar a infinidade que nos rodeia, deu-nos um ponto de partida para melhor explorarmos – melhor seria: “situarmo-nos” – no breu, tão intenso quanto o espaço, de invisíveis, varáveis e razões maiores que a nossa singela existência não compreende.
Nesse diapasão, “siamesiam-se” a existência consciente do Estado (independente de seu regime) e os valores da Religião (independente da sua espécie), simultaneamente, sobre o mesmo corpo, em qualquer sistema político terrestre. As constituições refletem as sociedades, as sociedades refletem os homens, os homens são aquilo que acreditam ser.
Da laicidade do estado brasileiro
Diante das considerações construídas e somadas até aqui, o Princípio da Laicidade no Estado Brasileiro possuí forma própria, não sendo esta forma absolutamente laica, mas com fortes e nítidas influencias religiosas. O Princípio se alça como respeitador das diversas e variadas práticas religiosas e seus cultos. Portanto, sobre a laicidade brasileira emergem-se duas afirmações: 1 – Aindiscriminação religiosa e 2 – um Estado “inadmitidamente” crente (a teoria do não ateísmo do Estado Brasileiro).
O ateísmo ainda amadurece na população brasileira e talvez seja um caminho, mas a capacidade de desvinculação da religião em outros aspectos da vida, e até mesmo de respeito mútuo, ainda estão sendo regados, por isso, o principio da laicidade, outrora nem se quer praticado, tende a ser aperfeiçoado junto com a nossa sociedade.No panorama atual, o Brasil não adota uma religião oficial, mas ocultamente se identifica com os valores e princípios católicos. Diagnostica-se assim, que a nossa laicidade atua no ponto em que o Estado respeita (ou deveria respeitar) as demais religiões e suas propagações. Até o momento em que a própria sociedade brasileira não admitir a participação da religião na política. A Utopia (Estado Laico/Povo religioso)gradativamente se consolidagraças aos poucoscompactadores conscientes da importância que possuí a imparcialidade religiosa na busca pela igualdade.
[1]Art. 210. Serão fixados conteúdos mínimos para o ensino fundamental, de maneira a assegurar formação básica comum e respeito aos valores culturais e artísticos, nacionais e regionais.
1º O ensino religioso, de matrícula facultativa, constituirá disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental.
[2]Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
[…]
VI – instituir impostos sobre:
[…]
b) templos de qualquer culto;
[3]Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
[…]
2º O casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei.
[4]Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
[…]
VI – é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;
VII – é assegurada, nos termos da lei, a prestação de assistência religiosa nas entidades civis e militares de internação coletiva;
VIII – ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei;
Leonardo Vieira de Souza é graduando em direito pelo Centro Universitário de Adamantina (UNIFAI).
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