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Uma das primeiras representações da anatomia e fisiologia do fígado foi encontrada em papiros egípcios, em cerca de 1550 a.C. Na Ilíada e na Odisséia, ( no oitavo século a.C. ), Homero descrevia a anatomia do fígado e o definia como um órgão vital, pois quando ferido levava à morte.
O estudo do fígado ( denominado hepatologia ) progrediu na antiguidade com os filósofos pré-socráticos, a escola hipocrática e os romanos ( principalmente Aulus Cornelius Celsus e Aretaeus de Cappadocia ), alcançando seu máximo desenvolvimento com Galeno.
Durante a Idade Média, a hepatologia estagnou como praticamente todas as áreas da ciência. Os conhecimentos adquiridos por Galeno foram transmitidos integralmente até o Renascimento, sem qualquer avanço. Como em tantas outras áreas da ciência, foi a vez de Leonardo da Vinci (1452-1519) exercer sua genialidade.
Da Vinci é considerado o pai da hepatologia moderna, descrevendo a anatomia do fígado no homem, com a veia porta, veias hepáticas, vasos intra-hepáticos e as vias biliares. Uma das doenças que descreveu foi a cirrose.
Desde então, a hepatologia se desenvolveu rapidamente. Se na antiguidade suspeitava-se que o fígado era o órgão responsável pela formação do sangue ( e como a sede da alma e dos sentimentos ), hoje temos uma idéia mais precisa da sua importância.
O fígado é responsável, entre muitas outras coisas, pela formação da bile ( e, portanto indispensável à digestão dos alimentos ); pela transformação e retirada de substâncias nocivas ao organismo ( inclusive o álcool ); pela coagulação do sangue; pelo depósito de energia em casos de necessidade; pela utilização das gorduras; pela defesa do organismo contra bactérias; pela formação da maioria das proteínas e, claro, auxilia a medula óssea na formação do sangue.
O fígado
O fígado é um órgão relativamente sólido e pesado ( 1.200 a 1.500 g ), localizado no quadrante superior direito do abdome. Fica estrategicamente localizado de modo que praticamente todo o sangue que provém dos intestinos passa por ele.
Desse modo, as substâncias que ingerimos passam por uma "inspeção" antes de serem encaminhadas ao restante do organismo. Se forem consideradas indesejadas, são transformadas em outras e descartadas na bile ou levadas pelo sangue para serem retiradas pelos rins na urina.
Os remédios que ingerimos seguiriam o mesmo caminho, se não fossem engenhosamente feitos de modo a burlar essa defesa. O álcool passa pelo mesmo processo e é transformado para ser eliminado. O grande problema é que, se ingerido em grande quantidades, ao ser transformado torna-se ainda mais tóxico ao fígado, levando à destruição celular.
Estudando-se minuciosamente o fígado, descobrimos que ele é constituído principalmente por vasos sanguíneos especiais denominados sinusóides, tornando-o parecido com uma esponja onde o sangue corre lentamente para que o fígado cumpra suas tarefas.
Apesar das suas diversas funções, ele apresenta uma variedade muito pequena de células, sendo que duas são responsáveis por grande parte do funcionamento do órgão: os hepatócitos e as células biliares. São essas células que podem sofrer alterações na sua estrutura genética levando a uma multiplicação desenfreada e freqüentemente fatal – o câncer.
O Hepatocarcinoma
O hepatocarcinoma é o câncer de fígado que surgiu de hepatócitos. A primeira descrição científica foi feita por Eggel em 1901, mostrando o resultado de mais de 200 autópsias. Hoje, 100 anos após, sabemos mais sobre o processo que leva ao seu surgimento, como ele cresce, as pessoas que tem maior risco de desenvolvê-lo, como fazer o diagnóstico precoce e – o mais importante – como tratá-lo.
Apesar de raramente ocorrer em pessoas sadias expostas a certas toxinas, como a aflatoxina ( encontrada em amendoins contaminados, por exemplo ) em suas grande maioria o hepatocarcinoma acomete uma população bem definida: os portadores de cirrose hepática.
A cirrose hepática é o processo final de diversas doenças do fígado: as hepatites, as lesões pelo álcool, o uso de certas medicações, a hemocromatose ( acúmulo de ferro ) e as colangites, entre outras.
Todas essas doenças provocam a destruição dos hepatócitos, lentamente, com a formação de cicatrizes no interior do fígado, determinando a cirrose. Ao contrário do que se pensa, a maioria das cirroses atualmente são causadas pelas hepatites B e C. O alcoolismo ainda é um fator importante, mas não necessariamente naquelas pessoas que ingerem altas doses de álcool. Mesmo doses mais modestas ( três a quatro garrafas de cerveja por semana ) podem levar à cirrose.
No início, mesmo a cirrose pode ser silenciosa ( cerca de 40% dos casos ). Os sintomas mais comuns são fraqueza, fadiga, perda do apetite, emagrecimento, hematomas e sangramentos espontâneos, irregularidade menstrual, icterícia ( pele e olhos amarelados, pelo acúmulo de bile no sangue ) e dificuldade de manter a concentração. Também podem ser mais graves, como o coma, vômitos com sangue e acúmulo de líquido no abdome.
O hepatocarcinoma surge do mesmo processo de destruição e multiplicação de células que leva à cirrose, através de mecanismos ainda não bem esclarecidos. De um modo geral, considera-se que uma pessoa portadora de cirrose silenciosa ou pouco sintomática tenha um risco de 5% ao ano de desenvolver um hepatocarcinoma.
O hepatocarcinoma é um tumor altamente maligno, que dobra o seu volume a cada 180 dias em média. Mesmo em seu estágio inicial, ou seja, um tumor pequeno, localizado em um fígado com bom funcionamento, dá ao seu portador apenas cerca de oito meses de vida após ser encontrado, se não for realizado nenhum tratamento. No estágio mais avançado, a previsão média é de menos de três semanas de vida após o diagnóstico. Daí a necessidade do diagnóstico precoce do hepatocarcinoma, quando este ainda tem boas opções de tratamento e chance de cura.