A Yvette K. Centeno
Encanta-me,
conta-me um rio que já existiu,
põe de árvore a primitiva ponte,
uma corrente bravia só no estio;
o horizonte na frescura da erva
talha-o a degraus numa só pedra
Encanta-me,
conta-me um rio que já existiu,
que eu amanheça nessa espera,
em que todos já disseram:
é dia.
E eu atenda ao silêncio,
só quando entardece
Conta-me um rio,
com um sol que já se viu,
num céu de luz e de nuvens,
tocado, manso, frio
Conta-me um rio,
onde eu fique descalço,
e os teus braços só tenham
dos meus estes abraços.
Conta-me um rio,
com uma fera que gema e ria,
tremendo da mesma espera,
uive o vento morno do dia.
Encanta-me,
conta-me desse rio que já existiu,
o longo curso fundo , manso,
e a tal fera a pedra lance,
eu descanse.
Encanta-me,
faz-me de mirto azul de chuva,
candeia alta, margem sussurro,
eu sopre o vento - descanse
Encanta-me ,
conta-me um rio,
estas casas são demasiado altas,
este silêncio vem inteiro da noite,
podre já vem o dia.
José Ribeiro Marto