Preciso Ver-te
Solange Rech
Preciso ver-te,
como Pégaso que busca o sol,
ainda que tua proximidade me derreta,
pois talvez seja este o meu destino.
Preciso ver-te,
ou serei viajante sem bússola,
carcereiro de mim mesmo,
cego sem horizontes nem auroras.
Preciso ver-te
para que possa encontrar algum sentido
nas coisas e seres que me rodeiam
e que falam de ti como miragem.
Preciso ver-te.
Barco na tempestade, nada temerei
se tu, meu farol intermitente,
me guiares com teu código de luz.
Porque só sei amar às claras,
não vou contentar-me com o obscuro.
O vulto imaginado, sem essência,
acaba se desvanecendo e cria um vazio,
somatório de muitos nadas.
Por tudo isso, preciso ver-te e provar-te,
saber-te real, vívida, palpável,
como também o é o meu amor, que ingeres,
escondida, em tua mesa de silêncio.
Por que tardas,
se tanto sabes que preciso ver-te ?
*
Para ti
Foi para ti
que desfolhei a chuva
para ti soltei o perfume da terra
toquei no nada
e para ti foi tudo
Para ti criei todas as palavras
e todas me faltaram
no minuto em que falhei
o sabor do sempre
Para ti dei voz
às minhas mãos
abri os gomos do tempo
assaltei o mundo
e pensei que tudo estava em nós
nesse doce engano
de tudo sermos donos
sem nada termos
simplesmente porque era de noite
e não dormíamos
eu descia em teu peito
para me procurar
e antes que a escuridão
nos cingisse a cintura
ficávamos nos olhos
vivendo de um só olhar
amando de uma só vida
Mia Couto, in “Raiz de Orvalho”
>