Luar póstumo
Numa noite de lua escreverei palavras,
simples palavras tão certas
que hão de voar para longe, com asas súbitas,
e pousar nessas torres das mudas vidas inquietas.
O luar que esteve nos meus olhos, uma noite,
nascerá de novo no mundo.
Outra vez brilhará, livre de nuvens e telhados,
livre de pálpebras, e num país sem muros.
Por esse luar formado em minhas mãos, e eterno,
é doce caminhar, viver o que se vive.
Porque a noite é tão grande... Ah, quem faz tanta noite?
E estar próximo é tão impossível!
Cecília Meireles
In: Poesia Completa
Dispersos (1918-1964)
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A Gastón Figueira
Se te perguntarem quem era
essa que às areias e gelos
quis ensinar a primavera;
e que perdeu seus olhos pelos
mares sem deuses desta vida,
sabendo que, de assim perdê-los,
ficaria também perdida;
e que em algas e espumas presa
deixou sua alma agradecida;
essa que sofreu de beleza
e nunca desejou mais nada;
que nunca teve uma surpresa
em sua face iluminada,
dize: “Eu não pude conhecê-la,
sua história está mal contada,
mas seu nome, de barca e estrela,
foi: SERENA DESESPERADA”.
Cecília Meireles
Vaga Música (1942)
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Espelho cego
Onde a face de prata e cristal puro,
e aquela deslumbrante exatidão
que revela o mais breve aceno obscuro
e o compasso das lagrimas, e a seta
que de repente galga os céus do olhar
e em margens sobre-humanas se projeta?
Onde, as auroras? Onde, os labirintos
- e o frêmito, que rasga o peso ao mar
- e as grutas, de áureos lustres e aéreos plintos?
Ah – que fazes do rosto que te entrego?
- Musgos imóveis sobre a sua luz...
Limos... Liquens... – Opaco espelho cego!
1954
Cecília Meireles
In: Poesia Completa
Dispersos (1918-1964)
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