No silêncio da noite escura olhei-te...
Lambi com as minhas córneas cada
traço do teu rosto, cada pequeno sinal,
senti sem tocar o calor que
emanava da tua pele. Pesquisei
a sua textura, ora suave como a seda,
ora espessa, rude e forte.
Percorri as linhas bem delineadas
do teu tronco, semelhante a um mapa,
onde me posso perder ou encontrar.
As tuas pálpebras cerradas,
sob a luz do luar que teimava
em entrar pela janela, davam-me
a tranquilidade de uma eternidade segura,
davam-me a possibilidade de te
obervar em segredo, de te conhecer
profundamente enquanto dormias...
Tinhas um temperamento complicado,
sempre tiveste... Ora doce e meigo,
atencioso, preocupado,
ora domado pela revolta,
indignação sem limites, egoísta...
Nunca fora fácil estar contigo e,
no entanto, eu sempre quisera estar
a teu lado, beber desse temperamento.
Mas repentinamente tudo mudou...
Ao olhar-te, sob o véu da noite escura,
percebi que eras um homem quase perfeito.
O homem que muitas mulheres desejariam ter,
possuir... Também compreendi o
quanto me amavas, do teu modo
desajeitado, qual criança que dá o
s primeiros passos,
que começa a caminhar.
Percebi que eras um óptimo homem.
Apenas não eras homem para mim.
Talvez a culpa fosse tua,
do teu temperamento intempestivo
e inconsequente, da tua completa
ausência de sonhos a realizar,
ideais em que acreditar, do teu egoísmo
que me excluía constantemente
desse universo só teu.
Talvez a culpa fosse minha, da minha
intransigência, da imagem perfeita
de um homem que criei e procuro
a meu lado. Compreendi que não eras
homem para mim.
No silêncio da noite escura,
levantei-me com a leveza de uma bailarina,
dei-te um último beijo . talvez de pena,
talvez de carinho - e saí.
Antes de fechar a porta,
olhei-te uma última vez.
E soube que era para sempre.
Eras um homem quase perfeito.
Simplesmente o "quase"
não era suficiente.