A mesma religião que liberta pode escravizar -
Não é somente nestes últimos tempos, sempre foi assim. Estamos vendo muitas manifestações em busca dos direitos. Grupos mais liberais buscam seus direitos de agir e fazer aquilo que consideram certo e bom para a sociedade. Do outro lado, presenciamos grupos classificados como “conservadores” que também lutam pelos seus direitos e principalmente lutam para que o outro grupo mais “liberal” não tenha o tal direito. Sempre foi assim na humanidade, grupos que são maioria sempre acham que o seu direito é melhor do que o outro. Mas a minha grande preocupação é que geralmente no lado dos chamados conservadores estão as religiões que se levantam para, não só defender o direito, mas atacar a convicção do outro. Ao fazer isso com duros ataques, a religião extrapola sua função e se coloca na posição de agressora, traindo sua natureza, que é a de promover a paz.
Até entendo que essa atitude de defesa mais radical seja fruto de anos de perseguição. O cristianismo foi e continua sendo a religião mais perseguida do mundo, segundo dados oficiais da Organização das Nações Unidas (ONU). Talvez por ser tão perseguida assuma como defesa o ataque. Mas não está certo, pois acabamos por usar a Bíblia como arma que arremessamos naqueles que não pensam como nós. Calma aí, padres, pastores, bispos, apóstolos, missionários e todos aqueles que pregam a paz! Temos o direito de anunciar e pregar a nossa fé. Temos o direito de propor à sociedade aquilo que vivemos e as nossas convicções, mas sempre será uma proposta e nunca uma imposição. Impor uma ideia é uma atitude arbitrária e irracional. Já fizeram isso no passado. Não se obriga a uma fé.
Somos arrastados quando nos apaixonamos por um ideal de amor e justiça. O Evangelho é uma Palavra transformadora por causa desse amor. Dizia Santo Agostinho: “Ama e faz o que quiseres. Se calares, calarás com amor; se gritares, gritarás com amor; se corrigires, corrigirás com amor; se perdoares, perdoarás com amor. Se tiveres o amor enraizado em ti, nenhuma coisa senão o amor serão os teus frutos”.
Ora, não precisamos ficar com medo de ideias e costumes novos. Precisamos nos convencer daquilo em que acreditamos. A sociedade sempre trará novas maneiras de pensar e agir, que podemos aceitar ou não. Mas não aceitar não significa agredir. Se algo for contrário à nossa fé, não usemos de violência para destruir, usemos de caridade para propor outro caminho. Quem pensa diferente de nós não é nosso inimigo. A religião está aí como uma grande proposta de amor e felicidade. A partir da Palavra revelada queremos viver a paz, a tolerância, o respeito e o amor. A religião deve nos levar a uma vida em busca daquele amor que um dia se perdeu na ganância e no egoísmo do mundo. Se a religião leva à guerra não está cumprindo a sua vocação original, que promover a paz e o amor entre as pessoas.
Tenho plena convicção de que não podemos viver sem uma religião. Ela nos orienta, coloca parâmetros éticos em nossa vida, ajuda a construir nossa personalidade, forma nosso caráter. Mas também tenho muito medo de uma religião que escraviza e transforma o ser humano em simples joguete dos preceitos religiosos. Há de se ter cuidado, pois a mesma religião que liberta pode escravizar e, em vez de vivermos a plena liberdade dos filhos de Deus, passamos a viver do ódio que criamos e não do amor que Deus sonhou para o mundo.
Padre Juarez de Castro