Mistério da saudade
O velho mestre Arobiai caminhava por entre flores e arbustos de um campo aberto instruindo os discípulos sobre a vida e o amor.
Um discípulo perguntou: - Mestre, o que é a saudade?
Arobiai olhou para aqueles olhos límpidos e curiosos, agachou, colheu uma pequenas flor silvestre e a ofereceu ao discípulo. Este olhou para a flor e para o Mestre e nada entendeu.
Foi então que a sabedoria que mora no coração dos velhos falou: - A saudade é como esta flor. Ela existe, não mais está presa ao vegetal em que nasceu, mas mesmo assim carrega dentro de si a mesma seiva que a formou e lhe deu vida. Um pouco da seiva ficou no arbusto em que ela estava, outro pouco está na flor colhida.
O arbusto não tem mais a flor, mas a sente presente na seiva, como uma perna amputada que parece permanecer inteira: a flor não tem mais o arbusto, mas o sente, ainda, na seiva que ficou presa em si.
A saudade está na ausência na mesma proporção em que a ausência está na saudade. Ambas vivem e se alimentam na mesma fonte.
O discípulo ficou pensativo a olhar a flor que sua mão segurava com delicadeza.
Arobiai continuou: - Olhe firme e demoradamente para este campo cheio de flores das mais variadas espécies e cores. Agora feche os olhos. Você não vê mais as flores, mas sabe que elas existem, que elas estão aí. Não é porque você não as vê que elas deixam de existir. As flores e o campo continuarão a estar aqui, continuarão a existir, embora você não possa vê-los.
Se você abrir os olhos voltará a ver as mesmas flores. A mesma luz, o mesmo sol, as mesmas cores.
Assim é a saudade. Muitas vezes pensamos que perdermos pessoas e coisas e nos afligimos dizendo que estamos com saudade.
Na verdade, apenas estamos de olhos fechados. Um dia abriremos os olhos e perceberemos que tudo continua como antes, pois as pessoas que amamos e que partiram, continuam, por um mistério de amor, junto de nós.
Um dia a saudade baterá à porta e debemos nos lembrar que estamos de olhos fechados, que caminhamos de olhos fechados, que não vemos o que queríamos ver; mas que há em nosso meio uma presença santa e silenciosa, persistente e indefinível.
Algumas vezes, Deus permite que sintamos essa presença. Muitas vezes procuramos explicar porque alguém se foi tão de repente sem saber que não há explicação para os mistérios de Deus.
Por isso, sabemos que quem partiu continua presente como a seiva que ainda está na flor, ou como os olhos fechados no campo de flores. Mas, acima de tudo, sabemos que saudade é um exercício de fé, pois é um acreditar naquilo que não se vê.
Ivon Luiz Pinto