Faz tempo que eu não vejo alguém admitir um tropeço. Ao meu redor todo mundo parece vencer sempre. Eu? Já fui tantas vezes fraca, tantas vezes descuidada, já fui ridícula absurda e até imperfeita. Tropecei nas regras, nos dias, já fui submissa e arrogante. Engoli humilhação calada e quando falei, fui ainda mais boba. Já ouvi risada escondida e já pedi sem pagar de volta e quando a vida me bateu eu me encolhi. Sinto o peso das pequenas vergonhas e ainda assim não conheço ninguém como eu. Todo mundo que eu conheço nunca erra, nunca se expõe, são perfeitas em todas as suas histórias. Ah, como eu queria alguém que fosse humano. Contar, mas não um feito, contar um medo. Confessar não um erro, mas um medo de falhar. Eu só vejo semideus ao meu redor. Chega! Aonde estão as pessoas de verdade? Será que só eu sou imperfeita nesse mundo? As pessoas até podem ter sido rejeitadas, podem ter caído. Mas ridículas? Nunca! Elas podem ter chorado, podem ter perdido. Mas admitir fraqueza? Jamais! E eu que caio mesmo sem grandes tragédias, como não me sentir pequena diante delas? Pequena no jeito mais cruel de ser. Mas talvez ser assim, tão humana, tão imperfeita, seja a minha forma mais bonita de existir.

— Releitura do meu coração de: Poema em linha reta - Fernando Pessoa.