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Sou feito do bordado invisível alinhavado pelo tempo, sacudido pelas perdas, ressignificados pelas alegrias. Sou desses poucos, que os tombos não limitam a capacidade de sonhar. A cada queda, levanto mais forte e decidido, com mais projetos do que tinha antes de cair. Sou da rara natureza dos que amam de graça, e nada pedem por abrir o coração. Sou de dar o coração antes do corpo, a alma inteira antes do sorriso. De bandeja, ofereço os bons sentimentos, porque são eles que me regem e fazem maior, que me tiram do limbo egoísta de pensar somente no que posso ganhar. Adquiro consistência quando pareço que sou a mais fraca das criaturas, e aí, descubro com lágrimas nos olhos, onde moram a minha força e a capacidade de superação. Sou de renascer depois de cada crise, de confortar no aconchego dos meus braços àqueles que se aproximam com danos na alma. Assim, reúno irmãos, que se fazem mais fortes quando se imaginam em queda livre, é aí que descobrem o dom das asas – em pleno exercício do voo. Sou desses, corajosos, que desobedecem quando tudo diz não. Refaço os cálculos e contorno os abismos com a desenvoltura de um trapezista, e sigo, porque sou feito de caminhos nunca trilhados, inúmeras possibilidades, e mesmo que, não haja estrada, busco na reinvenção o dom de cavar saídas. Sou feito desse fiapo de esperança, que se fortalece quando os abalos teimam em sacudir o interior. Sou feito de pontas soltas, retalhos e nenhuma costura visível. O tempo me alinhava por dentro e guarda no meu peito, histórias, amores, risadas, um punhado de sonhos coloridos e um desejo renovável de aprender a amar. Sou feito do tecido leve que reveste as pessoas de verdade, que amam sem impor condições e se doam sem entender a doação como sacrifício. Promovo incursões pelos labirintos internos e reconheço as vulnerabilidades como partes do que sou, humano. Sou dessas almas fluidas, que guardam pássaros nas pálpebras e rios nos bolsos da camisa. Deposito esperança imortal nas coisas que dão sentido e fazem sentir.

Algumas pessoas mais próximas dizem que sou de uma época errada, como se na atual, não importa o que eu faça, não vou achar o meu lugar. Me sinto deslocada às vezes, porque eu gosto muito dos detalhes, e para cada pessoa tenho um tipo de abordagem diferente. Costumo observar as pessoas, reparar os detalhes, saber o que elas gostam; cores, sons, livros etc. Toda vez que vejo alguma coisa, seja andando na rua ou em qualquer lugar, lembro "isso aqui é muito a cara do fulano (a)", é um modo de carregar aquela pessoa comigo pra aonde eu for. Isso para alguns é fora de moda, porque todo mundo vive correndo sem olhar para o lado, as coisas consideradas pequenas são tão importantes, mas não entram na balança no final do mês, não pesam no orçamento. Talvez por isso não sejam notadas. Aquela ligação num dia bem aleatório pega a todos de surpresa "Aconteceu alguma coisa?". "Não, só lembrei de você". O silêncio desconcertante deixa evidente que uma ligação pode ser tão incômoda que ninguém mais sabe o que fazer com alguém que se importa. Tudo sempre tem que ser sobre alguma coisa. Quando não é, fica esse clima de que existe algo errado, a tal saia justa que deixa duas pessoas sem saber o que fazer com tanto silêncio. Acho que não nasci na época errada, as pessoas é que estão muito modificadas e sem tempo para o que importa, ou às vezes só estão desinteressadas mesmo, vivendo no automático. Sempre penso que as coisas não se repetem, e por mais que a gente saiba que as coisas acabam, é sempre pra depois que empurramos os sonhos, as expectativas e as pessoas. Pessoas não são para depois, enquanto estou aqui escrevendo esse trecho, alguém que saiu de manhã, não retornou, a agenda está cheia de compromissos, com um monte de "depois eu faço". Não temos nenhum controle sobre o que acontece depois, nem mesmo agora. Talvez, a "época errada" tenha sido apenas um rótulo para me catalogar e dizer que estou destoando do coro. Certamente, a "época errada" teve pessoas mais gentis e verdadeiramente conectadas, que a correria não esmagou a pureza dos corações nem deixou as relações por um fio.

— Ester Chaves


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