Procuro um apartamento de dois quartos. Um, para que eu possa ser eu: A que acorda, dorme, se preocupa com os afazeres e responsabilidades cotidianas e pateticamente mundanas, assiste séries que nada tem de complexas, responde as pessoas nas quais conversa no período perto do agora, enfim: Eu. E o outro quarto para que eu possa somente não ser. Não ser a pessoa que espero estar construindo dia após dia, não ser o que as outras pessoas pensem que eu esteja sendo quando em casa, sozinha, ou até mesmo quando na rua, interagindo. Procuro um lugar para que eu possa me desfazer. Para que possa esquecer. O que comi, que horas são, que dia é hoje, e todos os outros motivos racionais e super válidos que expliquem não se poder fazer poesia ao meio dia. Nesse quarto, a luz vai entrar de uma forma respeitosa e até um pouco tímida, mas sabendo que será sempre bem vinda. Nesse quarto meu celular não entra, ora, vivemos e construímos tantas e tantas coisas sem ele nos últimos tempos. Qualquer notícia que mereça minha notória encontrará um jeito de chegar até mim, desde que o mundo é mundo. Nesse quarto há de haver plantas para que se tenha vida, algumas tintas no chão, cavaletes com pinturas ruins, posso até continuar nessa de desenhar peitos caídos, acho bonito achar isso bonito. Uma poltrona gostosa, mandalas penduradas nas paredes, uma bagunça na qual não tenho a mínima vontade de arrumar. Livros que sempre são lidos, junto também dos empoeirados, não é porque sou a pessoa que tem esse quarto que virei totalmente desprovida de vaidade. Deixem os livros que comprei só pela capa e os que li pela metade por lá. Esse quarto vai ter um cheiro bom de incenso ganhado de gente especial que não falo todo dia, vai ter uma aura sobrenatural que faz você querer olhar mas não sem antes pedir licença, até o ar desse lugar te conta que ele guarda segredos de uma vida. Procuro um apartamento de dois quartos. Um para que eu more, outro para que eu viva.