Hoje as sensações diárias foram diferentes, aliás, como há muito não eram. Eu não era mais humano, e sim papel. As pessoas não estavam em pauzinhos e eu nem podia pintar o sol de azul, mas os raios ultravioletas marcavam minha pele morena. Acordei intermediário, entre o sonho e a razão, porém a realidade ainda predominava. Parecia que o mundo era luz e não essa opacidade que eu enxergo todo santo dia. Era possível enxergar as borboletas fazendo melodias que até os surdos poderiam ouvir, e os pássaros partindo o vento. Me sentia frágil demais, a ponto de qualquer toque me despedaçar. Sim, intocável como uma obra de arte exposta em um museu qualquer. O paraíso havia me alcançado, e eu ali já rabiscado pela natureza que me rodeava e apagado pela minúscula borracha. Mais sensacional que a beleza de qualquer cor era a sensação de ser pincelado com bastante calma, e disso nós sabemos, já que a vida nos borra constantemente. E de borrão em borrão acordei obra prima. Sou todas as cores secundárias, porque o azul, o amarelo e o vermelho não me são suficientes. Minha camisa de forças era uma moldura que me limitava e embelezava. E é isso que o mundo faz. Por isso acordei folha de papel nas mãos de uma criança daltônica e com dedos tortos. Não quero a perfeição que esperam e apreciam. Quero ser sol com dois olhos e nuvens de algodão. Não quero ser humano, quero de uma criança ser a imaginação.