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SILENCED ABORDA A CULTURA DO SILÊNCIO COM ENREDO BASEADO EM HISTÓRIA REAL DE ABUSO INFANTIL

barraborboleta-1.gif foto por anapaulavaladaopink


Silenced (ë„가니) é um filme de drama sul-coreano lançado em 2011, com direção por Hwang Dong Hyuk, que também trabalhou em outras obras populares como My Father (2007) e Miss Granny (2014), e estrelado por Gong Yoo, Jung Yu Mi e pelo trio mirim Kim Hyun Soo, Jung In Seo e Baek Seung Hwan.

Quando um novo professor de artes, Kang Inho, chega a uma escola para jovens com deficiências auditivas, seus únicos objetivos são praticar sua carreira, ensinando, e conseguir algum dinheiro para ajudar a sua família que passa por um momento financeiramente complicado após o suicídio de sua esposa há um ano. Entretanto, logo em seu primeiro dia de trabalho, já percebe uma atmosfera desconfortável que se instaura por toda a instituição, em que agressões físicas são frequentes, mas com um segredo ainda mais profundo a ser exposto: abuso sexual infantil.


Enquanto muitas portas parecem se fechar para o professor, encontra apoio em Seo Yoo Jin, uma ativista dos direitos humanos, e juntos começam a lutar pela justiça das crianças que relataram suas histórias de abuso a eles. Entretanto, descobrem que o que já não era fácil tende a ficar ainda mais difícil com o acobertamento local em proteção aos agressores. 

Os fatos narrados no filme são baseados em acontecimentos reais de 2005, em Gwangju, envolvendo seis professores, diretor incluso, que molestaram e estupraram nove alunos com deficiência auditiva entre os anos de 2000 e 2003. O ocorrido não chamou tanta atenção pública na época, mas voltou a ser citado em 2009, quando o novelista Gong Ji-Young escreveu The Crucible, livro que deu origem ao filme em questão.


Embora alguns fatos tenham sido alterados na obra cinematográfica, que não retrata fielmente os acontecimentos do início dos anos 2000 talvez até mesmo por respeito às vítimas, continua sendo uma obra forte, com uma pesada carga emocional tanto pelo assunto tratado como a forma em que é retratado. Se você já chorou com Hope (2013), prepara mais uma leva de lenços para este.

Como se não bastasse o desespero que a tensão de falar sobre abuso infantil já carrega por si só, a escola fica localizada na ficcional cidade de Mujin, de tradições religiosas, e é comandada por um grupo de fiéis estimados pelos habitantes locais por suas ações públicas que beneficiam a cidade e seus moradores.



O efeito disso é a implantação de uma cultura do silêncio, como no premiado do Oscar de 2016, Spotlight, também baseado em histórias reais, onde os cidadãos e órgãos públicos optam por fechar seus olhos à verdade quanto aos relatos de abusos, enxergando a exposição como difamação, calúnia.  Assim, Silenced também encara uma problemática secundária, tendo que lidar com o fervor dos moradores de Mujin e os obstáculos impostos no caminho de Kang In Ho e Seo Yoo Jin, aparentemente as duas únicas pessoas dispostas a lutarem pela justiça dessas crianças vítimas, cujas famílias são incapazes de responder por elas.

Assim como o livro em seu lançamento, a popularidade do filme trouxe o caso e suas controvérsias de volta a pauta, resultando no fechamento da escola e reabertura do caso para revisão. Tudo isso se deve ao choque público de uma geração amadurecida que já não se cala diante a tais absurdos e injustiças.


O filme é estrelado por Gong Yoo, conhecido principalmente por seus trabalhos em Coffee Prince (2007), Big (2012) e Goblin (2016-2017), e Jung Yu Mi, de Que Sera, Sera (2007), I Need Romance 2 (2012) e The Queen of Office (2013), chegaram a se reencontrar após este trabalho juntos para um novo filme, Train to Busan, que teve sua estreia em 2016. Em Silenced, seus personagens representam o resquício de bondade e compaixão humana, que mesmo com seus problemas individuais, não deixem de se importar e buscar métodos de apoiar aqueles em sofrimento quando ninguém mais parece dar a mão a eles.

Funcionam como mais do que simples professores e ativistas, mas como a família substituta de crianças desamparadas, não medindo esforços pelo seu bem, sendo ainda os mais revoltados e sedentos pela justiça do trio sob seus cuidados, como se fossem seus verdadeiros filhos. 


Para o elenco mirim, Kim Hyun Soo, normalmente lembrada por interpretar a versão jovem de protagonistas de dramas televisivos, como Bridal Mask e My Love from the Star, brilha como a protagonista do elenco jovem nesta narrativa cinematográfica, acompanhada de Baek Seung Hwan, cuja carreira é parecida com a dela, com papeis de versões jovens em dramas como Queen for Seven Days e Blood, e a pequena Jung In Seo, de My Dear Girl, Jin Young e The Iron Empress.

Os três provam que pouca idade não é argumento, entregando uma ótima e dramática performance que colabora a criar a tensão do filme. Os três personagens são pessoas com deficiências auditivas, e a comunicação entre eles e o time adulto é feita por meio, principalmente, da língua coreana de sinais, a KSL. Sem as palavras oralmente ditas, manifestam-se fortemente com expressões faciais e corporais, com gestos tão marcantes e emocionantes que é impossível não se sentir comovido, seja por tristeza, raiva ou indignação.


Esses sentimentos são engrandecidos pela cenografia e ambientação da obra: as cenas passadas na escola demonstram um ambiente pouco confortável, sujo e com aspectos de abandono, como em um filme de terror. A câmera gosta de filmar com proximidade o rosto dos personagens, causando intimidação e desconforto no espectador, mas ainda sim como um ótimo elemento a fim de valorizar o drama das expressões faciais das figuras. 

As cenas de abuso são chocantes e extremamente fortes, do tipo difícil de conseguir manter os olhos fixos à televisão, como uma tortura psicológica a quem assiste. Não chega a ser exagero comparar a primeira metade do filme com alguma obra de suspense, terror, mistério sobrenatural ou qualquer temática ficcional com intuito de causar medo. A cada cômodo adentrado, a ideia causada pelo desgaste do local, a baixa iluminação e o contraste das sombras é de que, a qualquer momento, um monstro irá aparecer e dominar o seu monitor.


Há alguns monstros, sim, pois me recuso a chamar estupradores de humanos, ainda mais com suas feições doentias e vilanescas. Um verdadeiro pavor e desconforto mental em meio a uma narrativa, infelizmente, tão próxima da realidade, enfatizando a crueldade humana, mas com uma ressalva àqueles que ainda conseguem manter a sua humanidade. 

Apesar de sua obscuridade e teor desagradável aos olhos, mente e coração, é um filme necessário para nos lembrarmos do que, realmente, se constitui um ser humano, do que nós somos feitos, quem nós somos e qual o nosso papel na Terra. O desfecho acaba não sendo dos mais agradáveis, longe das histórias com finais-felizes, com um teor mais realista e, consequentemente, infeliz.


Em frente a tanta maldade sendo difundida, aos olhos que se fecham ou se rendem a malevolência e aos corações perversos que dominam e controlam nossa sociedade, as palavras da protagonista Yoo Jin esclarecem bem a ideia de nossas lutas diárias e o motivo para não desistirmos de nossa compaixão:

"A razão pela qual lutamos arduamente não é para mudar o mundo,

mas para não deixar que o mundo nos mude."
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