Em 8 de dezembro de 1894 nascia em Portugal, Florbela Espanca, a mulher que é considerada uma das maiores poetas portuguesas de todos os tempos. Seu nome brilha dentro da literatura portuguesa ao lado de nomes como o de Fernando Pessoa.
Ao nascer, por ser um bebê muito bonito, alguém disse: – É tão linda que parece uma flor! Então a mãe decidiu chamá-la de Flor Bela. Mais tarde Flor Bela mudou seu próprio nome para Florbela d’Alma da Conceição Espanca. Florbela era filha ilegítima, seu nascimento foi resultado de um costume comum em Portugal naquela época, quando um homem casado, cuja esposa não conseguia ter filhos, tinha o direito e o consentimento da esposa para ter filhos com outra mulher, desde que essa mulher fosse de classe social inferior a da esposa, e após o nascimento esse filho passava a viver com o pai e a mulher legítima dele. Assim foi feito com Florbela, que logo após nascer foi viver com o pai e a madrasta. A mãe dela também foi morar com eles e foi quem a amamentou e cuidou. Aos treze anos ela perdeu a mãe verdadeira, mas restou um irmão, Apele, fruto da mesma união da mãe com o pai de Florbela.
Aos nove anos de idade ela já escrevia sonetos, demonstrando precocemente sua genialidade poética. Florbela Espanca é uma poeta extremamente sensível, ela derrama sua alma em seus versos. Os sentimentos profundos e melancólicos transbordam dessa alma ardente. Ao longo de sua breve vida ela escreveu muito, sempre versos carregados de beleza e de melancolia. Sua poesia e sua vida se misturam, se fundem, e é nos versos que ela coloca suas mágoas e dores. Florbela foi uma mulher muito a frente de seu tempo, com uma alma sensível demais e jamais compreendida pelos que a cercavam. Alguém que “sentia” a vida e amava com total entrega de alma. Tanto sentimento, próprio dela, resultou numa obra belíssima, mas ao mesmo tempo fez com que ela enquanto pessoa nunca fosse amada da mesma forma que amou.
Aos 19 anos Florbela se casou pela primeira vez. Esse período foi o mais criativo de sua carreira. Mas o casamento não foi bem sucedido, talvez fosse difícil para qualquer homem compreender uma mulher tão intensa quanto Florbela. Durante o casamento ela sofreu dois abortos que debilitaram muito sua saúde e só fizeram aumentar ainda mais sua tristeza e melancolia. Ela se sentia cada vez mais sozinha mas continuava sempre escrevendo. Florbela e o marido se mudaram para Lisboa e ela decidiu cursar a universidade. Foi a primeira mulher a entrar para a Faculdade de Direito em Portugal. Aos vinte e três anos seu casamento terminou. Ela seguiu escrevendo seus versos e em 1919 foi publicada sua primeira obra: Livro de Mágoas. Em 1920 ela conheceu aquele que seria seu segundo marido e em 1921 se casou novamente. Ela estava muito doente, mas também muito apaixonada. Esse casamento também não trouxe felicidade para ela, Florbela teve novamente um aborto, além disso seu marido não se interessava e nem compreendia o que ela escrevia, certa vez até dormiu enquanto ela tentava ler seus poemas. Ele era uma pessoa truculenta e chegou a bater nela algumas vezes. Seu segundo casamento também chegou ao fim.
Ela estava cada vez mais debilitada física e emocionalmente. No período em que esteve casada pela segunda vez ela conheceu o médico da família, pessoa aparentemente mais sensível que o marido, que se interessava pelo trabalho dela, eles por afinidade se tornaram amigos e dessa amizade surgiu uma nova paixão na vida de Florbela. Após a separação ela foi viver com esse médico acreditando que desta vez tinha encontrado o grande amor de sua vida, alguém com quem compartilhar seus sonhos e ideais. A família de Florbela não compreendeu esse novo relacionamento e tanto o pai quanto o irmão, por quem Florbela tinha verdadeira adoração, se afastaram e ficaram dois anos sem ter nenhum contato. A depressão da poetisa aumentou nesse período, sua saúde sempre frágil ficou ainda mais abalada. Sua tristeza era fruto de sua história, aquela menina ilegítima que perdeu a mãe muito cedo, que foi criada pela mulher de seu pai, um pai que nunca a reconheceu legalmente como filha, apesar da admiração e do amor que ela tinha por ele, e que se afastou, que só a reconheceu 10 anos após a morte dela, além disso seu único irmão, seu amigo e confidente também se afastou. Sem contar as suas várias tentativas de ser mãe que nunca deram certo. As tragédias em sua vida se sucediam, a sua nova união começou a fracassar também e algum tempo depois ela perdeu o irmão em um acidente, o avião que ele pilotava caiu no Tejo e o corpo nunca foi encontrado, um acidente inexplicável, que mais pareceu um suicídio e que marcou Florbela para sempre. Tudo isso foi demais para uma mulher tão sensível e sua debilidade emocional e física ficaram ainda piores. Florbela nunca parou de escrever e seus versos refletem suas tragédias pessoais e também se percebe neles que há a esperança de felicidade, em cada nova tentativa de encontrar o amor correspondido. Tentativa que sempre fracassou, mas ela seguiu buscando esse amor pleno, idealizado, correspondido e feliz que nunca chegou. Em seus versos está refletida a sua alma e a sua vida com todos os acontecimentos tristes que sua imensa sensibilidade sentiu profundamente.
Durante um período de sua vida Florbela Espanca além dos poemas escreveu também contos que tentou publicar, sem sucesso, no livro intitulado de Dominó Preto, esse livro só foi publicado muitos anos mais tarde em 1982, ela fez também traduções de romances franceses, foram oito ao todo e nelas assinou com o pseudônimo de Felisbella Espance Lage, a poeta não queria ficar conhecida como tradutora e só fez esse trabalho por necessitar de dinheiro. Sua saúde piorava a cada dia, ela estava cada vez mais deprimida e neurastênica e tentou o suicídio por duas vezes sem sucesso. Até que no dia do seu aniversário no ano de 1930 ela tomou uma overdose de tranquilizantes e foi achada morta em seu quarto. Com apenas 36 anos morria a maior expressão feminina da poesia portuguesa. A poeta que soube expressar como ninguém todos os segredos, os amores, a dor, os sentimentos e mistérios da alma da mulher. Sua poesia é da mais alta qualidade, extremamente expressiva, dramática e carregada de emotividade. Florbela Espanca foi uma mulher precursora em todos os sentidos, apesar de ter tido imensa sensibilidade e constantemente ter se visto apaixonada por um homem, sempre buscou mais nos relacionamentos e na vida do que um simples casamento, casou-se por três vezes, e durante todo o tempo de casada se manteve escrevendo mesmo sem o apoio dos maridos, numa época em que as mulheres pouco estudavam e não trabalhavam fora, vivendo dependentes e submissas dos maridos, Florbela foi uma das poucas moças a ingressar no curso secundário e a primeira mulher a cursar a Faculdade de Direito em Portugal e com seu talento que se manifestou desde a infância ela nos brindou com sua magnífica obra poética.
Sempre haverá muito a se dizer sobre Florbela Espanca e seus versos, muito a se descobrir e se analisar na personalidade e na obra tão genial, criativa e conturbada dessa incrível poeta, mas quem melhor soube definir Florbela Espanca foi ela mesma, em suas palavras: “O meu mundo não é como o dos outros, quero demais, exijo demais, há em mim uma sede de infinito; sou antes uma exaltada, com uma alma intensa, violenta, atormentada, uma alma que não se sente bem onde está, que tem saudades… sei lá de quê!”