"Há dois anos que eu pareço um disco riscado, repetindo sempre a mesma coisa, que eu gosto de você mas não gosto do seu esnobismo, gosto de você mas não gosto do seu jeito escorregadio, gosto de você mas não gosto da sua vaidade. Estou sempre falando as mesmas palavras, e a gente sempre se desencontrando... Uma lengalenga que pode até parecer amor - eu acreditava que fosse amor, por isso passei estes dois anos controlando meu tom de voz, acendendo uma vela pra deus e outra pro diabo, querendo você perto e longe ao mesmo tempo... É por isso esta carta agora, para mudar o tom e arriscar, vou dizer o que eu penso, mas agora sem contemporizar, não mais contrabalançando minha decepção com as coisas que eu gosto em você; hoje vou te dizer apenas que eu não gosto, e azar se isso nos separar de vez, já não há remendo possível de qualquer maneira.
Te acho não só covarde, como mascarado, ainda que bem disfarçado por trás da sua lábia e de suas inócuas intenções. Se você tivesse 17 anos, ainda dava para entender esta sua fixação em seduzir por seduzir, para colecionar troféus. Todo mundo passa por uma fase de auto-afirmação, já era hora de você parar de blefar e investir em algo real, um sentimento que te preencha a vida, você acha isso tão aprisionante? Pois prisioneiro você já é desta sua auto-imagem que propaga para qualquer rabo-de-saia e que é falsa, incipiente, ridícula. Se continuar sendo moleque vai morrer bem sozinho, ou com alguma namorada de ocasião, dessas que não vão lhe dar filhos nem justificar seus dias gastos. Você gasta seus dias com o supérfluo. E se acha tão profundo.
"Outra apaixonada", você deve estar pensando. Não negarei, sou mesmo apaixonada por você, mas menos, bem menos do que já fui, pois já consigo enxergar quem você é, e quem você pensa que é, duas figuras bem distintas, pois você pensa que é especial, e não passa de uma caricatura de homem, de um disfarce bem-feito, um boneco de cera, daqueles que a gente diz, "nossa, mas é igualzinho a um ser humano", só que olhando de perto a gente vê que a expressão não muda, o olhar não muda, o olhar não brilha, a pose é sempre a mesma... Você podia ter dado um basta nas suas pretensões a ter vivido um caso de amor igualzinho aos dos seus amigos, bem demorado e bem curtido... Só que não sabe o que fazer quando chega a hora de se entregar, prefere escapulir feito rato...
Não me importo, você pode estar menosprezando minhas palavras agora, mas elas vão entrar uma por uma na sua cabecinha, vão morar aí por uns dias, até que você consiga mais duas ou três trouxas que o distraiam e o façam esquecer de quem você realmente é, um arremedo de homem, um protótipo, um rascunho, isso, você é o rascunho do homem perfeito, fica sempre devendo a finalização, o mulherio paga e não te recebe, você deve achar isso muito divertido. Mas escuta, o único palhaço aqui é você, porque no final das contas é você que resta sempre sozinho, sem uma história verdadeiramente bonita pra contar..."
Do livro "Tudo que eu queria te dizer", da Martha Medeiros.