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"Eu sou criança. E vou crescer assim. Gosto de abraçar apertado, sentir
alegria inteira, inventar mundos, inventar amores. O simples me faz
rir, o complicado me aborrece. O mundo pra mim é grande, não entendo
como moro em um planeta que gira sem parar, nem como funciona um fax.
Verdade seja dita: entender, eu entendo. Mas não faz diferença, os dias
passam rápido demais, existe a tal gravidade, papéis entram e saem de
máquinas, ninguém sabe ao certo quem descobriu a cor. (Têm coisas que
não precisam ser explicadas. Pelo menos não para mim). Tenho um coração
maior do que eu, nunca sei minha altura, tenho o tamanho de um sonho. E
o sonho escreve a minha vida que às vezes eu risco, rabisco, embolo e
jogo debaixo da cama (pra descansar a alma e dormir sossegada). Coragem
eu tenho um monte. Mas medo eu tenho poucos. Tenho medo de Jornal
Nacional, de lagartixa branca, de maionese vencida, tenho medo das
pessoas, tenho medo de mim. Minha bagunça mora aqui dentro, pensamentos
dormem e acordam, nunca sei a hora certa. Mas uma coisa eu digo: eu não
paro. Perco o rumo, ralo o joelho, bato de frente com a cara na porta:
sei onde quero chegar, mesmo sem saber como. E vou. Sempre me pergunto
quanto falta, se está perto, com que letra começa, se vai ter fim, se
vai dar certo. Sempre questiono se você está feliz, se eu estou bonita,
se eu vou ganhar estrelinha, se eu posso levar pra casa, se eu posso te
levar pra mim. Não gosto de meias – palavras, de gente morna, nem de
amar em silêncio. Aprendi que palavra é igual oração: tem que ser
inteira senão perde a força. E força não há de faltar porque – aqui
dentro – eu carrego o meu mundo. Sou menina levada, sou criança
crescida com contas para pagar. E mesmo pequena, não deixo de crescer.
Trabalho igual gente grande, fico séria, traço metas. Mas quando chega
a hora do recreio, aí vou eu... Escrevo escondido, faço manha, tomo
sorvete no pote, choro quando dói, choro quando não dói. E eu amo. Amo
igual criança. Amo com os olhos vidrados, amo com todas as letras. A -
M - O. Sem restrições. Sem medo. Sem frases cortadas. Sem censura. Quer
me entender? Não precisa. Quer me fazer feliz? Me dê um chocolate, um
bilhete, uma mentira bonita pra me fazer sonhar. Não importa. Todo dia
é dia de ser criança e criança não liga pra preço, pra laço de fita e
cartão com relevo. Criança gosta mesmo é de beijo, abraço e surpresa!
(E eu – como boa criança que sou – quero mais é rasgar o pacote!)"

(Fernanda Mello)



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