A gente se acostuma
Eu sei que a gente se acostuma.
Mas não devia.
A gente se acostuma a coisas demais para não sofrer.
Em doses pequenas, tentando não perceber,
vai afastando uma dor aqui, um ressentimento ali,
uma revolta lá. A gente se acostuma a não falar
na aspereza para preservar a pele.
Se acostuma para evitar sangramentos,
para esquivar-se da faca e da baioneta, para poupar o peito.
A gente se acostuma para poupar a vida.
Que aos poucos se gasta, e que,
de tanto acostumar,
se perde de si mesma.
(Marina Colassanti)
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