Eu o vejo de cócoras,
ouvindo com atenção suprema os meus soluços e passos,
pressentindo a minha presença com o seu poderoso olfato de serpente.
O cabelo longo, escorrido nos ombros, delineia-lhe o rosto caboclo,
deixando exposta suas sobrancelhas grandes e lisas.
Seus olhos, no entanto nada vêem, de nada lhes serve.
Apenas, com um negror melancólico,
adorna uma face enrijecida pela insensibilidade.
Vez por outra o seu odor de flores murchas, invade minhas narinas,
denunciando a sua vigilância que se oniscientiza à minha volta,
pelo farfalhar de suas hábeis asas.
Não o temo, apesar de saber que carrega no silêncio de seus lábios
o segredo da minha hora.
No entanto em certos momentos me revolto com a sua presença constante
refletida nos quadros presos da parede sem vida,
parecendo querer insinuar a perpetuação dos meus ideais.
Meu anjo é assim.
Às vezes cansa-me com as suas mudas mensagens,
e em momentos de profunda angústia, sabendo-se querido,
escapa-me com espetacular desenvoltura,
indo postar-se à minha frente com um sorriso irônico,
como a zombar da minha impaciência.