Cobrança indevida
Depois de um dia de caminhada pela mata,
mestre e discípulo retornavam ao casebre, seguindo por longa estrada.
Ao passarem próximo a uma moita de samambaia, ouviram um gemido.
Verificaram e descobriram um homem caído.
Estava pálido e com uma grande mancha de sangue, próxima ao coração.
Tinha sido ferido e já estava próximo da inconsciência.
Com muita dificuldade, mestre e discípulo
o carregaram para o casebre rústico,
onde viviam. Lá trataram do ferimento.
Uma semana depois, já restabelecido,
o homem contou que havia sido assaltado
e que ao reagir fora ferido por uma faca.
Disse também que conhecia seu agressor,
e que não descansaria enquanto não se vingasse.
Disposto a partir, o homem disse ao sábio: "Senhor,
muito lhe agradeço por ter salvado a minha vida.
Tenho que partir e levo comigo a gratidão por sua bondade.
Vou ao encontro daquele que me atacou e vou fazer
com que ele sinta a mesma dor que senti."
O mestre olhou fixo para o homem e disse: "Vá e faça o que deseja.
Entretanto, devo informá-lo de que você
me deve três mil moedas de ouro,
como pagamento pelo tratamento que lhe fiz."
O homem ficou assustado e disse:
"Senhor, é muito dinheiro. Sou um trabalhador
e não tenho como lhe pagar esse valor!"
Com serenidade, tornou a falar o sábio:
"Se não pode pagar pelo bem que recebeu,
com que direito quer cobrar o mal que lhe fizeram?"
O homem ficou confuso e o mestre concluiu:
"Antes de cobrar alguma coisa, procure saber quanto você deve.
Não faça cobrança pelas coisas ruins que aconteçam em sua vida,
pois a vida pode lhe cobrar tudo de bom que lhe ofereceu."
Todos os dias somos aquinhoados com centenas de bênçãos.
A primeira, é a própria oportunidade de tornar a abrir os olhos no corpo físico.
Depois, a oportunidade de encher os pulmões de ar. Ar que nos é dado pela Divindade.
A bênção do alimento que nos nutre o corpo.
Alimento que extraímos da terra generosa,
bastando que nela plantemos a semente.
A bênção do trabalho que nos permite
o desenvolvimento das nossas habilidades,
o progresso, a aquisição de bens materiais que nos são necessários.
Enfim, o digno sustento próprio e dos que nos constituem responsabilidade.
A bênção da religião, que nos fortalece o espírito,
dando-nos o conhecimento da existência de um Deus Pai,
que dirige os nossos destinos e guarda a nossa vida.
A bênção da família, dos amigos, dos colegas, dos animais de estimação.
Cada qual, a seu modo, nos oferta, a cada dia, seu carinho,
sua devoção, enriquecendo as nossas horas.
Pense, enfim, nas bênçãos que todos os dias você recebe, sem esforço algum.
Você não precisa acender o sol, nem pedir a ele que apareça.
Ele simplesmente vem e lhe dá calor, luz, vida.
Você não necessita acionar botão algum para que o
vento amigo se manifeste nos dias de ardência. Ele simplesmente vem.
Balança o arvoredo, espanca nuvens borrascosas,
limpa o céu e ainda brinca de desarrumar os seus cabelos.
Você não precisa suplicar ao botão para desabrochar.
Ele arrebenta em perfume e colorido para o seu deleite.
Você não precisa suplicar aos pássaros que encham de sons o dia.
Eles aparecem e brindam seus ouvidos com a variedade
infinita de seus trinados e cantorias.
Por tudo isso, pense, que direito você tem de tomar contas a quem quer que seja,
por algo ruim que lhe tenha feito, ante um débito tão grande para com
a divindade que tudo vê, provê, sem exigência alguma.
Pense nisso!