TEM VEZ QUE CANSA
Tem vez que cansa. Cansam portas fechadas, chaves que não abrem as portas fechadas, a angústia por ainda não se saber como abri-las. A vontade que tece o seu ninho nos galhos mais verdejantes e passa tempos chocando ovos que parecem que não vão mais se romper. A espera pelo voo das borboletas que demoram crisálidas para se desvencilhar dos casulos. O repetido surgimento do não quando a vida da gente prepara incansáveis banquetes de boas-vindas para o sim. O quase que se prolonga tanto que causa a impressão de ser interminável. E, à espreita, sempre acompanhando os movimentos da nossa coragem, à distância, perigosa perspectiva do nunca, aguardando cada brecha criada pelo cansaço para tentar nos dissuadir dos nossos propósitos.
Tem vez que cansa, sim. E parece que somos incapazes de mais um único passo fora do território do nosso cansaço. O ânimo desaparece sem deixar vestÃgios, pegadas na areia que nos levam até onde as suas águas refluem. Sabemos que ele permanece lá, em algum lugar que temporariamente não acessamos, como o sol por trás de nuvens que querem chover, mas não conseguem. Sabemos que ele está lá e que precisa apenas de um tempo para se recompor. Para soprar as nuvens e voltar à cena. Para retomar o caminho com a gente. Para nos lembrar outra vez, depois de outras tantas, que, aconteça o que acontecer, sob hipótese alguma podemos desistir do que nos importa.
(O texto está disponÃvel na Ãntegra no livro "Cheiro de flor quando ri", Editora Autografia, pág. 160.)