Vinte centavos, só vinte centavos. Que, acumulado ao longo do ano, multiplicado pelo número de trabalhadores que utilizam o transporte público e pela quantidade de ônibus que estes devem tomar até chegar ao seu destino, poderiam alimentar milhares de famílias espalhadas Brasil afora. De vinte em vinte centavos a dignidade do brasileiro se esvai. De vinte em vinte centavos, nossos direitos são roubados, sem que possamos perceber. Vinte centavos que enchem os cofres, os bolsos, as malas e as cuecas que não são nossas. Tirados do nosso remédio, do nosso transporte, do nosso suor. Tirados dos nossos filhos e da sua educação por bandidos que não aparecem na reportagem da televisão. Vinte centavos que poderiam salvar vidas nos hospitais. E mudar vidas nas escolas. Que poderiam tornar o transporte público algo mais do que um apartheid moderno: Simples meio de locomoção de quem não tem renda. Que poderiam fazer do brasileiro um povo orgulhoso da pátria. Só vinte centavos, o suficiente para fazer acordar uma nação até agora ignorante de sua força e inerte diante das telas planas. Vinte centavos que, se realmente fossem aplicados no desenvolvimento do país, estariam a níveis suíços de qualidade de vida. De vinte em vinte, chega-se a muito dinheiro. Dinheiro que nem eu, nem você e nem 99% da população brasileira pode ter. Mas que, por incrível que pareça, é pouco diante de todos os outros desvios e roubos descarados. Vinte centavos, só vinte centavos, é a ponta de um gigante iceberg. Um iceberg ocultado pelo governo e pela mídia. Um acúmulo imenso de impostos, salários mínimos e “salários máximos”, infra-estrutura precária, saúde precária, transporte precário e vida precária. Tão frio e duro quanto o sistema que nos governa. Vinte centavos foi aquilo que surgiu na superfície e nos acordou do comodismo, porque vinte centavos, na verdade, é só o que vale cada governante deste país que, a cada dia, tenta nos fazer mais cegos. Acontece que, agora, só por vinte centavos, a nossa venda foi retirada. Ainda que nem todo lugar do Brasil haja luz elétrica, agora há luz no fim do túnel. Finalmente, a esperança brilhou no céu da pátria nesse instante.
Rio-Doce