Depois de um tempo, a gente entende que não há distância para aqueles que se amam, contrariando
o que diz a quilometragem, a diferença de fuso, o tanto de afastamento dos olhos.
Porque o olhar que importa é o olhar que ama, é o olhar que sente,
é o olhar que abençoa, e esse olha de qualquer lugar.
A gente entende que estar perto do corpo não significa necessariamente estar no coração.
Porque para se estar no coração é preciso mais do que a presença física
de olhos, ouvidos, toque, pele, voz. Para se estar no coração, adivinhe só: é preciso amor.
E o amor é essa ponte que nos leva a qualquer destino de maneira instantânea.
É a facilidade do encontro, a beleza dele, o riso dele, a intimidade que é descanso, a história
dele toda, que criam e mantêm proximidade, não é o corpo.
O corpo é a casa querida e temporária, às vezes desejada, de quem a gente ama, mas não é quem
a gente ama. E nós podemos estar longe da casa e desfrutar dos sentimentos que tudo
o que ela abriga nos desperta, um jeito de estar lá. Sem poesia, um corpo não floresce diante
do nosso olhar.
A primavera que reconhecemos numa outra vida tem a ver com a primavera que acontece em nós
quando a nossa emoção, de alguma forma, a encontra. Parece mágico e é também.
Mas é afeto, sobretudo.
É claro que quando se ama, a gente quer estar perto fisicamente. Poucas coisas são tão
prazerosas quanto apreciar ao vivo o sorriso bom de quem amamos, as diferentes maneiras de
expressar com o corpo as mais variadas emoções.
Acontece que, por uma fantástica capacidade do amor, nós conseguimos estar próximos mesmo quando
não estamos. O sentimento não tem paredes, já notou?
Quem tiver o coração todo desenhado com esquadro e compasso talvez não consiga entender. Para
ver o que não está disponível do lado de fora, é preciso conseguir ver do lado de dentro.
Esse, seja qual for a distância, é o olhar que faz toda diferença.
Richard Bach, autor de “Fernão Capelo Gaivota”, intitulado “Longe é um lugar que não existe”.
Um livro fino, pouco texto, e ao mesmo tempo grandioso. Num trecho, o autor faz
uma indagação da qual nunca esqueci, algo mais ou menos assim: “(...) se você quer estar com
alguém a quem ama, já não está lá?”
A mente é capaz de coisas incríveis, mas, em geral, nós aprendemos a lidar com a vida de uma
maneira muito restrita, muito aquém das possibilidades das quais potencialmente dispomos.
Nós nos acostumamos a experimentar os nossos cinco abençoados sentidos como se tudo girasse
em torno deles de forma exclusiva. Mas, depois de um tempo, depois de algum caminho percorrido,
a gente começa a descobrir que não é só isso.
Por mais distante que seja, nós podemos ir onde o sentimento nos levar. Podemos ir e sentir
um conforto imenso ao encontrar o que está lá. Quem está lá.
(Ana Jácomo)
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